Metacrise: desafios e oportunidades

Em um cenário de metacrise, o Brasil tem papel central no que tange ao capital natural e ao equilíbrio climático global. Confira o artigo e entenda!
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Vive-se uma metacrise evidenciada pelo coronavírus e aquecida pelas temperaturas globais. Guerras, cultura armamentista e conflitos de toda ordem mostram que o “desenvolvimento” custa caro. Fritjof Capra, ao citar Pitirim Sorokin — fundador do departamento de sociologia de Harvard que encontrou padrões para a flutuação do sistema de valores —, relembrou que, desde o século XX, a humanidade encontra-se numa fase de transição profunda como poucas na história. O declínio do patriarcado e o fim da era do combustível fóssil são apontados como componentes importantes dessa transformação cultural iminente.

Desde a Cúpula da Terra em 92, seguida pelas COPs, governos, empresas e sociedade civil se reúnem para discutir o combate às mudanças climáticas e definir metas para enfrentar suas causas e efeitos. A agenda 2030 é a referência atual. Com o amplo debate que se estende por décadas, presentemente se experimenta uma manifestação da fragilidade dos ecossistemas.

O Brasil tem papel central no que tange ao capital natural e ao equilíbrio climático global, comportando extensa biodiversidade, vasto território para produção de alimentos (ainda que num sistema agrícola majoritariamente duvidoso) e potencial para protagonizar a descarbonização da economia.

A transformação das paisagens 

Em fevereiro foi publicada uma pesquisa de brasileiros na revista Nature que apresenta evidências de que quase metade da Amazônia possa chegar ao “ponto de não retorno” até 2050; colapsar, deixando de apresentar as características do bioma e transformando-se em outro ecossistema. O estudo traz uma análise dos fatores estressantes da floresta, estipulando os limites seguros para o aquecimento global, as chuvas anuais, a intensidade da sazonalidade das chuvas, duração da seca e desmatamento acumulado. Concluiu-se que é necessário zerar o desmatamento e intensificar ações de restauração. 

Cumpre destacar que a Floresta Amazônica é uma grande responsável pela captura de carbono e pela umidade atmosférica, portanto está diretamente relacionada ao aquecimento global e à precipitação das chuvas. Secas, enchentes e eventos climáticos extremos são uma tendência crescente, e comprometem a homeostase global e a população local e comunidades tradicionais que são guardiãs de saberes e da própria floresta em pé.

O Cerrado, conhecido como o “berço das águas” também ganhou destaque em desmatamento nos últimos anos, tendo aumentado 44% em 2023. Essa região é responsável pelo abastecimento hídrico do Brasil e do cone sul e o desmatamento reduz a vazão dos rios. Atualmente 50% do Cerrado já foi destruído; mais de 110 milhões de hectares. Por se tratar de uma área com legislações de preservação e conservação mais permissivas, o índice de desmatamento só aumenta. 

Como somos impactados?

Recentemente houve atraso no plantio de arroz no Brasil devido ao excesso de chuvas; o plantio de feijão também fora afetado. Na Espanha o cultivo de azeitonas foi comprometido pela seca, desencadeando numa alta no preço dos azeites. Esses são exemplos brandos de como intensificações climáticas afetam os sistemas alimentares, o bolso e a vida da população.

No Cerrado, observou-se um atraso no início da estação chuvosa que comprometeu as plantações de milho e soja — o que aqui, especificamente, vem sendo chamado de agro-suicídio. A monocultura em larga escala que desperdiça e contamina a água, empobrece o solo e acaba com a diversidade mostra como prejudica o meio ambiente e a saúde humana com mais de 3.000 agrotóxicos liberados para uso.

O relatório da ANA (Agência Nacional das Águas) intitulado de “Impacto das Mudanças Climáticas nos Recursos Hídricos do Brasil”, publicado em janeiro, aponta que a disponibilidade hídrica pode reduzir em 40% até 2040 em 4 bacias hidrográficas, com inúmeras consequências para a população e para a economia. 

Os impactos chegam, seja pelo aumento das temperaturas, pelo degelo das calotas polares e aumento no nível dos oceanos (além do aquecimento das águas), pela perda da biodiversidade, pela qualidade e disponibilidade da água; seja pelo aumento da desigualdade social que esses elementos causam. Quiçá por meio de pandemias, de enfermidades causadas por desequilíbrios, do aumento dos índices de câncer, doenças degenerativas e mentais. Além disso, quanto menor a disponibilidade de recursos fundamentais, maiores as guerras por eles.

A preocupação em mitigar os efeitos e causas do aquecimento global já não é uma pauta apenas dos cientistas. Também não deve ser uma agenda de cunho político-partidário nem é passível de ser tocada pelos negacionistas. As projeções, modeladas por especialistas, existem aos montes para elucidar o que está acontecendo e pode ainda acontecer no Antropoceno. 


ESG e o ambiente empresarial

Em 2004, no relatório da ONU “Who cares wins”, cunhou-se o termo ESG em que foi destacado que empresas cujas decisões são alinhadas aos valores ambientais, sociais e de governança, além de contribuírem para a sociedade, agregam valor aos negócios, assumindo que estes pontos são cruciais para que se caminhe de maneira íntegra e integradora.

John Elkington apontou o ESG como o capitalismo do amanhã.  

Algumas organizações de maior porte já se mobilizam nesse sentido. É consenso a necessidade de fazer escolhas diferentes e comumente são ainda ínfimas comparadas ao tamanho do impacto causado no meio ambiente. Há que se ter cautela, também, com o greenwashing: informações exageradas, distorcidas e com baixa integridade. 

Em paralelo, iniciativas menores e marcas com propósito surgem como pontos de luz a aclarar os ideais, precisando de suporte local e financiamento. O Pipe Social traz um Mapa de Negócios de Impacto Social no país, interessante para dimensionar e conectar pessoas físicas e jurídicas engajadas nesta causa. 

No mercado de capitais brasileiro, a CVM promove o debate das finanças sustentáveis, trazendo elementos para que as empresas, investidores e stakeholders reorientem seus esforços de investimento. Na série “CVM Sustentável” são abordados os instrumentos e produtos financeiros verdes. Foi lançado o Plano de Ação de Finanças Sustentáveis para o biênio 2023–2024. São materiais relevantes para quem é da área e deseja se familiarizar. 

Investimentos de impacto, investimentos responsáveis, financiamento climático, negócios de impacto, bioeconomia da socio biodiversidade, descarbonização da economia, economia circular e tantos outros nomes e ideias surgem para dar forma à transição que se almeja. O Ministério da Fazenda vem trabalhado na Taxonomia Sustentável Brasileira a fim de identificar, padronizar e divulgar a linguagem para viabilizar o fluxo de capitais para o enfrentamento da crise climática. A publicação da Taxonomia está datada para novembro de 2024. 

As soluções que vem do mercado

Um projeto promissor que ganha escala é o bioplástico produzido a partir do ouriço da castanha-do-brasil, iniciativa da WTT (World-Transforming Technologies) com suporte financeiro do Fundo JBS pela Amazônia e do Programa Prioritário em Bioeconomia (Política pública da Suframa), coordenada pelo Idesam, que visa atenuar as 3,5 milhões de toneladas anuais de lixo plástico que o Brasil produz. 

Fora do Brasil, o estúdio Crafting Plastics em parceria com a Universidade Eslovaca de Tecnologia de Bratislava criaram a Nuatan, bioplástico a partir de óleo de cozinha usado, amido de milho e açúcar. Atualmente o material é mais utilizado para fabricar armações de óculos, já que o custo de produção ainda é elevado. O projeto busca investidores. 

Outras marcas e estudos com soluções para a problemática de embalagens e utensílios biodegradáveis e feitos de materiais naturais são de suma importância diante do cenário apontado pelo Panorama Global do Manejo de Resíduos de 2024 do PNUMA, que diz que o volume de lixo aumentará 60% até 2050, chegando a 3,8 bilhões de toneladas. Aí está outra oportunidade de mercado: a gestão de resíduos, tratando-os como recursos e a perspectiva de lixo zero numa economia circular. 

No agro, a agricultura regenerativa é a solução para o desastre do desmatamento e transgenia, trazendo um olhar de recuperação de solo juntamente com a produção de alimentos. Vale ressaltar a Preta Terra, empreendimento que traz o estudo necessário para a transição agroalimentar em larga escala. Ernst Götsch, suíço, pai da agricultura sintrópica, ensina que “água se planta” e inspira uma legião de sonhadores pelo Brasil e mundo.

Os biocombustíveis e alternativas para os combustíveis fósseis são questões-chave para pensar em soluções em escala. A forma como a energia é entendida e utilizada, no atual momento, pede uma repaginação global, com os donos do capital dispostos a colaborarem, a fim de que existam transições possíveis em vez catástrofes que matem milhares e milhões de pessoas e espécies. 

É evidente que as soluções efetivas são de grande amplitude; as que envolvam conscientização e mobilização de capital maciço e estremeçam a lógica de produção e acumulação sem retorno para sociedade e meio ambiente. O apropriado é que os poderosos — além dos curiosos — de todos os tipos se integrem e se posicionem a respeito das informações disponíveis, estabelecendo as conexões necessárias para que mais e mais ideias remediem e cuidem da Terra.

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